segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Piano Solo



1º Aniversário “Jazz Com Brancas”
Filipe Melo e Júlio Resende a solo
Auditório Instituto Franco-Portugais, Lisboa
31 de Janeiro de 2009, 21.30h
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O programa “Jazz com brancas” de José Duarte na Antena 2 faz um ano. Escassa efeméride para quem anda nestas coisas do jazz há mais de 50 anos (foi em 1958 que José Duarte iniciou a sua actividade radiofónica dedicada ao jazz, realizando e apresentando na Rádio Universidade “O jazz, esse desconhecido”, a que se seguiu o histórico “Cinco Minutos de Jazz'”, programa que realizou e apresentou entre 1966 e 1993, sucessivamente na Rádio Renascença, na Rádio Comercial e na Antena 1). A comemoração contudo impunha-se e, fiel aos seus princípios, José Duarte convidou para a festa dois jovens e talentosos pianistas nacionais, em estreia a solo, Júlio Resende e Filipe Melo. O evento teve lugar no auditório do Instituto Franco-Portugais, em Lisboa, e contou com transmissão em directo pela Antena 2.
Na verdade qualquer dos dois pianistas tem já um currículo invejável no jazz nacional, embora com percursos diversos. Ambos passaram pela escola Luís Villas-Boas, do Hot Club de Portugal, mas enquanto Filipe Melo completou os seus estudos em Bóston, no Berklee College of Music, Júlio Resende rumou a Paris, à Université de S. Denis, pelo que a sua educação francófona realça a pertinência desta apresentação no IFP.
Talvez marcados por essa diferença primordial, os estilos dos dois pianistas são francamente diversos. Filipe Melo é indiscutivelmente o pianista português da sua geração com mais swing. Fiel aos clássicos, conhecedor e respeitador como poucos da tradição jazzística, evoca em cada apresentação os grandes mestres como Oscar Peterson, Dave Brubeck ou George Shearing. O seu blues é vivo e contagiante, pleno de ritmo. O seu jazz é permanentemente uma festa, que nos transmite a nostalgia de uns anos 60 distantes, no tempo e no espaço, que sobreviveram nos filmes e nos discos dos supracitados e de outros mestres.
Já Júlio Resende é mais cerebral. A sua escola é a ousadia criativa de um Keith Jarrett ou de um Brad Mehldau. Sempre que pode busca a fusão. Bebe inspiração na tradição clássica ou na música contemporânea, nos ritmos africanos, nos cantautores de intervenção ou no rock. Vale tudo na busca criativa de um som personalizado e sedutor ou não fosse o jazz o território musical da liberdade e da improvisação.
Ao seu estilo cada um dos pianistas agarrou a oportunidade proporcionada e brindou o público, que encheu por completo o auditório do IFP e as ondas hertzianas da Antena 2, com uma excelente exibição dos seus reconhecidos talentos. A ocasião pedia ousadia e ambos responderam à chamada com determinação, recorrendo a novos arranjos de temas da sua autoria, alguns em estreia, e pegando em standards, nem sempre oriundos do jazz, e dando-lhes a volta como se impunha.
Júlio Resende abriu as hostilidades com dois originais seus apresentados com nova roupagem e a expressividade que o caracteriza, como intérprete e compositor. Seguiram-se os standards com destaque para uma magnífica versão do progressivo “The Great Gig in the Sky” dos Pink Floyd, que me fez recordar trabalhos de Brad Mehldau e bem merecia a edição em disco, para terminar com uma fantasia africana carregada de cor e de ritmo.
Filipe Melo abriu com Caravan de Duke Ellington e continuou alegremente o seu passeio pelos clássicos com duas interrupções, o original “Hope” já ouvido em trio e agora rearranjado para piano solo (com que evocou as quentes praias angolanas recentemente visitadas na tournée com Marta Hugon) e uma bela versão de” Once Upon a Time in America” de Ennio Morricone, uma pausa nostálgica numa apresentação quase sempre marcada pelo alucinante ritmo do swing.
A terminar os dois pianistas juntaram-se numa evocação do blues a quatro mãos, num tema de Sonny Rollins.
Estão ambos de parabéns, tal como José Duarte e o seu “Jazz com brancas”. Uma exibição memorável de dois músicos que são já uma certeza do nosso jazz. A solo ou nos múltiplos projectos musicais que impulsionam com o seu inquestionável talento.
Uma certeza resulta contudo deste espectáculo: já é tempo de qualquer deles voltar a gravar um projecto musical como líderes. Material novo e de qualidade aparentemente não lhes falta!

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