sábado, 14 de fevereiro de 2009

Americana Jazz



Bill Frisell
History, Mystery
Nonesuch, 2008

Bill Frisell dispensa apresentações. Estudou na University of Northern Colorado e no Berklee College of Music, em Boston, com John Damian, Herb Pomeroy e Michael Gibbs. Estudou ainda com Jim Hall e Dale Bruning. Em 1978 foi viver para a Bélgica e fez uma tournée com Michael Gibbs, gravando também com o alemão Eberhard Weber. Os seus primeiros discos como líder foram gravados para a ECM e produzidos por Manfred Eicher: In Line, com o contrabaixista Arild Andersen e Rambler, com Kenny Wheeler, Bob Stewart, Jerome Harris e Paul Motian. Mais tarde gravaria, também para a ECM, Looking for Hope, com Hank Roberts, Kermit Driscoll e Joey Baron, produzido por Lee Townsend. Um disco onde começou a explorar os caminhos de fusão que tanto o caracterizam, designadamente as influências de country (de americana, como também se costuma chamar, abarcando as diversas influências genuinamente americanas, desde o folk ao jazz, passando pelo country e bluegrass, pelo blues e, claro está, pelo rock), de reggae e de rock n’ roll.
Depois mudou-se para a Nonesuch, onde gravou Before We Were Born, Is That You?, Where in the world (onde colaborou com o violoncelista Hank Roberts, peça fulcral deste disco History, Mystery), Have a Little Faith, uma homenagem aos compositores norte-americanos, de John Philip Sousa a Madonna, passando por Aaron Copland, Muddy Waters, Bob Dylan, John Hiatt, Sonny Rollins, Stephen Foster, Charles Ives, e Victor Young, e mais recentemente This Land, com Don Byron, Billy Drewes e Curtis Fowlkes, e The High Sign, One Week e Go West, uma banda sonora para três filmes de Buster Keaton. Esta experiência cinematográfica levou-o a compor mais duas vezes para o cinema, primeiro para o filme de animação “Tales From the Far Side", de Gary Larson e depois para a longa-metragem italiana “La Scuola” de Daniele Luchetti. No seu disco seguinte, denominado Quartet, adaptaria este material cinemático ao seu quarteto formado por Ron Miles (trompete), Eyvind Kang (violino) e Curtis Fowlkes (trombone). Em Nashville, produzido por Wayne Horvitz e gravado com músicos provenientes da Allison Krauss’ Union Station Band, elevou a sua paixão pelo country jazz, o que “ofendeu” alguns puristas do jazz. Em Gone, Just Like a Train fez o mesmo com o folk, gravando com Viktor Krauss e Jim Keltner, baterista habituado a tocar com Bob Dylan, George Harrison, Ry Cooder ou John Lennon, trabalho que continuou a desenvolver em Good Dog, Happy Man, o seu disco seguinte que contou igualmente com a participação de Greg Leisz, Wayne Horvitz e Ry Cooder. Seguiu-se o álbum a solo Ghost Town e o aclamado Blues Dream, gravado com Greg Leisz, David Piltch e Kenny Wollesen e uma secção de metais formada por Ron Miles (trompete), Billy Drewes (alto saxofone) e Curtis Fowlkes (trombone). Em 2001 foi a vez do extraordinário Bill Frisell with Dave Holland and Elvin Jones, com o que terá feito as pazes com os jazzómanos mais radicais. Mas logo a seguir gravou The Willies, um regresso ao country e ao bluegrass. Em 2003 redescobriu o blues do Mali em The Intercontinentals, gravado com os músicos locais Boubacar Traore e Sidiki Camara, mas também com o brasileiro Vinicius Cantuária e o grego Christos Govetas: um disco fabuloso com quatro grandes guitarristas de outros tantos continentes! Seguiram-se Unspeakable em 2004, com Kenny Wollesen, Don Alias, Tony Scherr e as cordas de Jenny Scheinman, Eyvind Kang e Hank Roberts, East/West em trio com Viktor Krauss/Tony Scherr e Kenny Wollesen, gravado ao vivo no Yoshi’s e Village Vanguard e Bill Frisell, Ron Carter, Paul Motian, um regresso aclamado, ainda que contido, ao free jazz na companhia de dois grandes mestres.
History, Mystery, um duplo álbum editado em 2008 pela Nonesuch, não é seguramente uma obra de rotura. Nela está plasmada de forma evidente a paixão de Frisell pela música americana em toda a sua extensão, do folk ao jazz e com algumas inusitadas incursões por universos mais eruditos do expressionismo contemporâneo ou tradicionais como a klezmer music (já patente em colaborações anteriores com John Zorn). É uma obra de fusão onde o estilo inconfundível de Frisell aparece em todo o seu esplendor, ainda que o guitarrista fuja, deliberadamente, ao protagonismo. É na composição, nos arranjos e nas harmonias obtidas com o timbre único da sua guitarra (que evoca ambientalmente a grandiosa planície americana) que o nome de Bill Frisell surge inequívoco, muito mais do que nos solos ou na sistemática assumpção de tarefas melódicas.
Este disco é essencialmente ambiental, na medida em que evoca, muitas vezes em pequenas faixas de menos de dois minutos de duração, a enorme herança musical norte-americana, de forma lenta, nostálgica, porventura negra nalgumas ocasiões. Fá-lo recorrendo insistentemente a um ensemble de cordas composto por Jenny Scheinman, no violino, Eyvind Kang, na viola e Hank Roberts, no violoncelo (que lhe dá por vezes um certo ar de jazz de câmara), mas também aos sopros de Greg Tardy (saxofone tenor e clarinete) e Ron Miles (no trompete e fluguelhorn). A secção rítmica está a cargo do baixo de Tony Scherr, da bateria de Kenny Wollesen e claro está, da guitarra de Bill Frisell. O repertório é composto quase exclusivamente por originais de Frisell (um deles, Monroe, já gravado anteriormente em Good Dog, Happy Man), a que junta três standards: Jackie-ing de Thelonious Monk, A Change is Gonna Come de Sam Cooke e o belíssimo Baba Drame de Boubcar Traore, num regresso ao blues africano de The Intercontinentals.
Um disco desenhado e gravado em várias actuações ao vivo em octeto, a que o produtor Lee Townsend juntou algumas gravações em estúdio.
Indispensável para os amantes do estilo inconfundível de Bill Frisell evidenciado em gravações antológicas como Good Dog, Happy Man, Bill Frisell with Dave Holland and Elvin Jones ou The Intercontinentals.
Como aperitivo fiquem com o video do tema Probability Cloud, uma falsa incursão de Frisell pelo universo musical judaico incluído neste duplo álbum que revela o guitarrista em excelente forma. As fotos são da autoria do britânico Steve Sharp. Podem vê-las em http://www.pbase.com/steve_sharp/root

Bill Frisell - Probability Cloud

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